BLOG DO VICENTE CIDADE

Este blog tem como objetivo falar sobre assuntos do cotidiano, como política, economia, comportamento, curiosidades, coisas do nosso dia-a-dia, sem grandes preocupações com a informação em si, mas na verdade apenas de expressar uma opinião sobre fatos que possam despertar meu interesse.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Não faz nenhum sentido !!

O artigo transcrito abaixo, do nosso colega economista Jô Sales, publicado no jornal O Liberal, revela uma tragédia anunciada na região do Xingu, onde está sendo construída a usina de belo Monte. Vale a pena a leitura.

Contudo, uma informação do artigo me chamou bastante atenção, é a denúncia sobre a diminuição da alíquota de ISS cobrado pelo município de Vitória de Xingu, que reduziu de 5% para 2%, o que gerará uma renúncia fiscal da ordem de quase R$ 400 milhões.

É um absurdo que um município pobre como Vitória do Xingu "abra" mão de arrecadar esses recursos, deixando-os de investir na cidade para beneficiar as empresas do consórcio executor.

Medidas como essas só são usadas quando se pretende atrair um empreendimento para a cidade, mediante forte concorrência locacional, o que não é caso, pois, além do empreendimento não poder mudar de lugar pelas condições naturais, a lei do ISS também garante que o imposto a ser recolhido não pode ser levado para outro município se não o de origem dos serviços.

Ou seja, resumindo, hipoteticamente o município, se quisesse, poderia até aumentar a alíquota, se fosse possível, que ainda assim o consórcio teria de recolher o ISS lá mesmo.

Então, porque diminuir o imposto do povo em favor das construtoras, mesmo sabendo dos grandes impactos que serão causados?

Com a palavra o Ministério Público.


Artigo do economista Jó Sales (*) publicado na edição de domingo de O Liberal:

————————–

Região do Xingu poderá perder mais de 426 milhões de ISS para o Consórcio Construtor Belo Monte

Após o primeiro ano do início das obras da Usina Hidrelétrica – UHE de Belo Monte, verifica-se que o município de Altamira está sofrendo uma forte desestruturação dos sistemas públicos e das finanças municipais. Por um lado, a obra está atraindo pessoas de vários estados brasileiros, as quais pressionam o sistema de saúde, educação, segurança pública, transporte, coleta de lixo, etc. Por outro, este aumento na demanda por serviços públicos tem provocado um crescimento das despesas proporcionalmente superior à evolução das receitas municipais.

Dentre os entraves identificados para o crescimento das receitas municipais destacam-se a redução sofrida no coeficiente do Fundo de Participação dos Municípios – FPM e o fato do Consórcio Construtor Belo Monte – CCBM – liderado pela Construtora Andrade Gutierrez, e que reúne as construtoras Camargo Corrêa, Odebrechet, Queiroz Galvão, OAS, Contern, Galvão, Serveng, J. Malucelli e Cetenco – se nega a recolher o Imposto Sobre Serviço – ISS conforme estabelece a legislação municipal.

Segundo a Secretaria Municipal de Planejamento de Altamira, neste primeiro ano de execução das obras da UHE de Belo Monte houve um crescimento da ordem de 30 mil pessoas na cidade. As informações fornecidas das áreas de saúde e educação revelam que esta pressão populacional está causando um forte impacto sobre os serviços públicos e consequentemente nas despesas municipais.

A demanda na área da saúde revela um crescimento expressivo e fora dos padrões programados pela Secretaria Municipal de Saúde. Em 2010 o número de pessoas atendidas foi de 326.361 e em 2011 este número atingiu 343.026, representando um crescimento de 16.665 novos pacientes. A média mensal de pessoas atendidas saiu de 27.197 em 2010, passou para 28.584 em 2011 e atingiu 31.300 nos dois primeiros meses de 2012. Na educação, registrou-se um crescimento de 4.666 alunos, os quais foram matriculados nos últimos 12 meses, uma média de 389 alunos por mês. Isto significou um crescimento de 19,76% e o número mais expressivo identificado foi no ensino fundamental com 3.387 novas matrículas no período analisado.

O crescimento na demanda de alunos no nível fundamental demonstra a necessidade de adotar medidas emergenciais com ações de curto, médio e longo prazo, para garantir que alunos deste nível de ensino, consigam completar os nove anos de estudo, dada a sua importância para o futuro do município. Para tanto, será necessário, além de redobrar a atenção sobre os fatores intrínsecos à escola – professores, instalações, livros, métodos de ensino, etc. –, deve-se agir sobre as condições sociais dos alunos. Portanto, o êxito da política educacional do município dependerá das ações de políticas públicas na saúde, saneamento, emprego e renda, assistência social, etc. Isto não se faz sem recursos públicos e com boa gestão pública.

O crescimento das receitas municipais não tem conseguido acompanhar a evolução das despesas. A queda do FPM tem se constituído em uma das causas deste problema. O FPM é uma transferência constitucional (CF, Art. 159, I, b), de natureza redistributiva, obrigatória e sem contrapartida. É paga pela União a todos os municípios do país e o critério utilizado para a distribuição dos recursos é o número de habitantes, onde são fixadas faixas populacionais, cabendo a cada uma delas um coeficiente individual.

A estimativa da população de Altamira apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e utilizada para definição do coeficiente do município em 2012, revela que houve uma redução em 4,09% em relação a 2010. Isto provocou a queda do FPM de 3.2 para 3.0, exatamente em um momento que o município recebe um forte fluxo migratório.

A despeito do município de Altamira sofrer praticamente toda pressão por serviços públicos ocasionados pela obra de Belo Monte, apenas 8,35% do ISS decorrente das obras civis será recolhido ao município, ou seja, R$ 46.241.955,32. Porém, o CCBM entrou com ação judicial na Comarca de Altamira para efetuar o depósito em juízo na proporção de 2% enquanto a Prefeitura pratica a alíquota de 4% para todas as empresas sediadas em Altamira há muitos anos.

A juíza titular Cristina Collyer Damásio, da 4ª Vara Civil da Comarca de Altamira, negou o pedido e o processo tramitou ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará e aguarda decisão. Se a decisão judicial for favorável ao CCBM o valor correspondente a 2% do imposto só será repassado ao município, após a tramitação do processo que pode levar de 5 a 10 anos, ou seja, após o fim da obra.

As perdas ocasionadas pela redução da alíquota do ISS de 5% para 2%, negociada pelo CCBM em Vitória do Xingú – município que vai gerar 91,65% do ISS da obra –, representou um montante de R$ 380.905.931,85. Estes recursos públicos não podem ser retirados do povo de Vitória do Xingú, do povo da região e do povo do Pará. Também não se pode permitir que o CCBM deixe de recolher o ISS que deve ao município de Altamira !

(*) Jó Sales – Economista, Mestre em Gestão Pública – UTAD e Especialista em Direito Tributário – IBET.

Nenhum comentário:

Postar um comentário